domingo, 8 de novembro de 2015

É preciso permitir-se. 
Existem dias que precisamos andar com o zíper do jeans aberto e de pés no chão, abrir uma barra de chocolate e a devorar inteira, sem julgamentos. Ouvir uma música sobre amor e não chorar, muito menos se lembrar de alguém, só contemplar. Tem dias que a gente tem que se permitir passar horas estirada na cama, não de melanconia, mas de preguiça. É preciso as vezes, largar as leituras obrigatórias e pegar um livro, aquele, mais sentimental. Ligar para alguém e matar uma saudade que estava até meio esquecida no peito. As vezes é bom sentar embaixo do chuveiro e esquecer que a conta de luz vai vir cara. Colocar uma música alta e dançar com a vassoura e ficar feliz em ter uma casa para faxinar. Aquele dia de sol, pede pra deixar tudo pra trás, e dar uma volta, tomar um sorvete e experimentar muitas roupas e não levar nenhuma. Alguns dias, precisamos nos permitir sorrir, sem motivo, ou por um elogio, olhar-se no espelho e pensar: eu acho que emagreci um pouquinho. Tem dias que a gente precisa fazer algo que não faz todos os dias. É bom colocar o salto alto e passar batom vermelho pra fazer um café pra você mesma. Eu acho que o saldo geral do dia é: É preciso permitir amar, aceitar e cuidar primeiro de você mesma, para depois, oferecer aos outros. 

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Sobre a mulher moderna;

Todo homem adora uma mulher independente. Aquela que tem metas como as dele de ter seu próprio carro, apartamento e um emprego estável com um salário justo. A maioria deles adora uma mulher que saiba conversar, sem papas na língua, principalmente sobre futebol, cerveja e até mesmo outras mulheres. Se a mulher ainda tem, apenas por tempero extra, algum dom culinário, é carinhosa com as crianças, é uma mulher prendada, aí sim se torna para amarrar qualquer homem. Quando se arruma, essa mulher enlouquece; não precisa ser salto. Uma camiseta velha, um meião e calcinha. Mas tem uma coisa que ele delira: quando a mulher se diz livre. Sim, daquelas que irá pro seu apartamento no primeiro encontro se tiver vontade, que faz tudo o que quer, no sentido carnal da coisa, que não tem pudores e não pensa em julgamentos, aquela que já pegou uma ‘amiga ou outra’, essa mulher é o sonho de qualquer homem. Só acho uma grande pena, que esta mulher não seja a ideal para namorar. Certamente porque os homens tendem a ter medo que esta mulher livre o traia, queira mandar na casa ou coisa assim. Logo, todo homem adora uma mulher independente, mas como diria os Demônios da Garoa, Amélia que era mulher de verdade.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Putas também amam: 
Parte I : Carmem

Carmem começou se prostituir com 19 anos. Ela não tinha uma vida difícil, não era dependente química e não tinha motivos para se tornar, mas tornou-se. Era conhecida pelo serviço "limpo" e discreto e pelo preço justo. Quanto cobra-se? Carmem queria ser enfermeira, mas tinha medo de sangue, não queria se casar, mas amou João. Amou tanto que até hoje, só suporta a profissão, por lembrar de João, e talvez, por imaginar ele no lugar daqueles homens que a consomem. 
João era um rapaz do bairro, um garoto ideal. Ele não tinha uma vida difícil, mas tornou-se dependente químico. Carmem, que ainda se chamava Clara era sua amiga de infância, de brincadeiras de pique-esconde, de empoleirar-se nas árvores para roubar manga verde. Clara e João eram inseparáveis. 
Lá pelos 17 anos dos dois, se beijaram pela primeira vez e se amaram, mas, ainda tinha outra paixão, que não conseguia largar. Certa vez, em um dia de noite escura, voltando para casa, surpreendeu-se com seu "chefe", apontando-lhe uma arma e querendo seus resultados. João os havia consumido, e a bala, consumido seu peito. 
Clara que já não tinha peito, não tinha lágrima e não tinha fé, tornou-se Carmem, tornou-se sangue frio, tornou-se o que é. Clara nunca mais amou ninguém, ou para ser sincero com o leitor, amou Carmem, sua confidente e sua válvula de escape. Carmem, seu cigarro e suas pernas se tornaram seu produto. Carmem ainda tinha tempo para ler livros de romance, e recordar-se de João e Clara. Carmem ainda tinha tempo de vez ou outra, visitar a morada de João, levar flores e fazer orações, pedia perdão e dizia baixinho: eu ainda te espero, mal vista, vestida, caída, mas cheia de amor. 

sábado, 24 de outubro de 2015

Afeto pra mim é fato. Afeto pra mim é mais importante que qualquer outra coisa. Se há afeto, afetado está e assim, não precisa mais nada: nem cachaça, nem cerveja, nem choro e nem lástima. O afeto pra mim é tudo. O afeto é puro e simplesmente o que dá pra se sentir. O tato, o caso, o olfato. O gosto, o desejo e olho. O afeto é tudo. O fato, é que o afeto me alertou que meu peito está farto de não ter afago.


domingo, 11 de outubro de 2015

É que já não há paciência para feriados prolongados, não existem planos, pessoas, lugares, não há. É que o tédio já consome mesmo sendo sábado. Parece que nunca nessa vida uma segunda seria tão bem-vinda, mas não, espera um pouco, segunda é feriado. Que merda! É que nós vemos por aí desfilarem retratos de férias, sol, praia e cerveja e você fica aí, na chuva no frio com seu chá e seu antitérmico rezando para que uma boa alma apareça e mude seu dia. O tédio já consome e a inveja também. É mais atraente tentar não acordar que ficar aqui, sentado, olhando uma tela e as imagens, sons e letras que ela emite. O tédio já consome com a boa vontade de sair e dar uma volta no quarteirão. É nesses dias que abrimos a geladeira e consumimos quase tudo que há nela, menos o alho e a cebola. Já não existe vontade de fazer algo diferente. Tomara que a terça não demore a chegar, confesso.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Santo tempo;

Os ponteiros do relógio pararam para admirar o casal, ora que retrógrado. Nenhuma casa mais tem relógio de parede, mas tempo tem e como demorava a passar quando o casal estava junto. As horas eram vagarosas e nada podia fazer elas se adiantarem. Ele pairava a cabeça no colo dela e ela as mãos em seu rosto. Eram só sorrisos. O aparelho de som tocava uma música que dançava no ritmo dos corações do casal e a TV transmitia algum programa tedioso que não lhes interessava mais. Os olhares por vezes  se cruzavam e fechavam talvez imaginando o minuto seguinte, o que ia acontecer, mas como ele custava a passar, passeavam-se com os suspiros de quem certamente estava apaixonado. Eles não sabiam o que estavam sentido, mas estavam plenamente felizes e gostavam de cultivar aquele sentimento. Quem dera todo amor nascesse puro assim, despreocupado, sem pressa. Quem dera toda distância fosse diminuída meramente a pó de café, adoçado à gosto e servido quente, cheio de afeto. 

sábado, 15 de agosto de 2015

Sobre não estar apaixonada;

 A vida realmente é feita de ciclos. Nem Aurora e nem Ana desconfiavam que tantas coisas aconteceriam em tão pouco tempo em suas vidas. Acho que é por este motivo que os aniversários sempre me fizeram muito bem e desconfio que é por isso também que gosto tanto de comemorá-los. UM VIVA para mais um ano de nossas vidas! Ontem eu saí, bebi algumas cervejas e dancei muito. E cada gole, cada passo eu pensava: que sensação boa! Quem me conhece de verdade sabe que disfarço meus medos, angústias e tristezas com sorrisos e alegrias com astúcia. A vida é feita de ciclos! Um pé-na-bunda, uma fase porra louca e um período de calmaria fizeram com que, com o tempo, eu aprendesse muitas coisas e tornou-me mais forte. Foi extremamente saudável. Hoje, me desperto na cama com um sorriso sincero de quem aprendeu, viveu e agora pode permitir-se novamente. O coração está sarado e pronto para pensar em si. Chegou a hora do eu racional descansar um pouco e deixar com o que os sentimentos tomem conta novamente da doçura de menina que sempre foi minha. O peito infla e respira forte com a possibilidade de se ver emaranhado com um punhado de borboletas amarelas novamente. Acordar de ressaca, ir até a cozinha e preparar um novo café: forte, doce e cheio de afeto. É assim que gosto do meu café e da minha vida. É assim que afirmo que estou fortalecida. 

terça-feira, 21 de julho de 2015

Putrefação

largando pedaços da gente pelo caminho
se empoeirando, se esquecendo, apodrecendo.
cansando de cuidar das feridas,
cansado das doenças
vamos morrendo, putrefando


domingo, 19 de julho de 2015

Mudança;

Finalmente Aurora conseguiu se livrar de uma maldição chamada aluguel e isso a empolgou como  à horas não ficava. Encaixotou cuidadosamente seus livros, fotos e bugigangas. Fez um retorno à lembranças, nem tão boas, de todo seus anos, da infância até o dia anterior à mudança. Aproveitou para se desfazer de muitas coisas: roupas, livros, cds, ursos de pelúcia, lembranças, saudades, etc.
O novo apartamento de Aurora não tinha mais aquela janela de frente para outra parede. Tinha uma sacada onde poderia observar os telhados das casas ao redor, e ao fundo, árvores de um parque próximo. O projeto "mulher saudável" poderia entrar em ação. Ele tinha uma cozinha americana e um balcão, onde pensou poder beber com os amigos e cozinhar para eles, quem dera se os tivesse. 
A primeira aquisição da nossa personagem, seria uma lata de tinta amarela. SIM, Aurora teria sua tão sonhada parede amarela onde depositaria seus desejos, sonhos, lembranças enfim. A pequena casa ganharia aos poucos pequenos detalhes que somente Aurora entenderia.
A primeira noite, com apenas um colchão velho jogado no quarto, Aurora se sentou na sacada e acendeu um cigarro. Respirou fundo a fumaça para dentro dos pulmões e soltou aliviada, ela teria um local para dizer que era seu e que lhe traria muitas alegrias. Mudanças são necessárias e saudáveis. A vida dela agora teria um forte.

sábado, 4 de julho de 2015

João, Vitor e Prosa.

Parte I : Folhetim
Ela estava cansada e impaciente. 
O namorado havia saído para comprar algumas cervejas fazia alguns meses e não voltara nem para se despedir e foi ali, folheando um jornal do dia anterior, à procura de uma distração que nos classificados encontrou anúncios de alguns acompanhantes para mulheres. Sorriu. As descrições eram cômicas: "19cm de puro tesão"; "chocolate bom de cama"; "viril como você nunca viu" ... apenas um deles chamou realmente sua atenção: "Quero conversar com você e tentar te entender, quero me estender e te satisfazer. Mr. Toy (xxxx-6528)". Era o tipo de anúncio que despertava a curiosidade de sua clientela, não havia descrições físicas ou mais detalhes, apenas uma pequena poesia envolvente e que despertou na nossa personagem, uma vontade louca de ligar e contratar os serviços do rapaz.
Parte II : Like a virgin
O celular já estava em sua mão antes mesmo de cogitar não fazer isso. Discou e pensou: É da mesma operadora mesmo, não tenho nada a perder, só minha curiosidade. Quando o homem no outro lado da linha atendeu, encabulada perguntou por Mr. Toy. Na mesma hora, o tom de voz adquiriu um ar sensual e a prontidão do atendimento se apresentou. Perguntou seu nome, sua idade e o que pretendia com a aquisição do serviço. A garota se sentiu como uma menininha de quinze anos, que recém iria ganhar seu primeiro beijo, tremia e gaguejava o tempo todo. Experiente, Toy compreendeu a situação e logo propôs um encontro para negociar o trabalho.
Parte III : Cerveja e trova
Em um bar conhecido da cidade marcaram de se encontrar naquela noite para então negociar o trabalho. Ela não sabia como ele era logo, não poderia o reconhecer quando chegasse. Para resolver o problema, haveria uma mesa em nome de João Palhares. Ela já o aguardava quando um homem fixou os olhos nela desde a entrada do bar. Tinha que ser ele! Era o seu tipo de homem preferido, em todos os sentidos. Chegou até a mesa e perguntou se acaso ela estava esperando João Palhares. Ela acenou positivamente com a cabeça, seu rosto queimava de tesão e de vergonha. Ele era um homem estupidamente lindo.
Parte IV : Contrato, folhetim e prosa.
Ele apresentou sua proposta: uma noite com direito à jantar, passeio de carro pelo centro histórico da cidade, vinho e uma bela foda. Parecia tão natural para ele. Me assustava a maneira como ele me perguntava se podia penetrar meu cu ou se podia me engasgar com seu pinto, sem nenhum pudor. Eu não tinha muitas restrições referentes a sexo, e no fim das contas, eu estava louca pra ver o que aquele homem podia fazer. 
Parte V : Finito.
Um grande diferencial do contratado era que ela também ganharia recomendações tais como vestir um conjunto de renda e preferencialmente branco, estar depilada e ter em mãos, inicialmente, 50% do valor pois caso a satisfação não fosse total, não seria obrigada a entregar o restante do dinheiro, era uma questão de princípios, dizia. E assim ela estava esperando. E tudo procedeu como o combinado. O jantar, o passeio e o vinho, pareciam até mesmo parecer um casal apaixonado e jovial. 
Chegaram até o apartamento e começaram uma dança de corpos, gemidos, sussurros e inquietações. Ele sabia o que fazia. Onde colocava cada mão e a boca, a intensidade e a velocidade. Cada golpe friamente calculado para que sua clientela entregasse cada centavo com um sorriso no rosto. Mr. Toy era um homem esperto, vendia sorrisos e sexo por um alto custo, mas sabia como agradar uma mulher e no fim, sempre ganhava gorjeta pela qualidade dos serviços prestados. 
Parte VI : Vapor não barato
Exaustos, tomaram um banho juntos e conversaram mais um pouco sobre a vida e seus dilemas. O garoto de programa, confessou-se Vitor, ter 29 anos e ser um engenheiro frustrado. Disse que gostava mesmo era de trabalhar com o universo do prazer, servir prazer e principalmente o vender. O rapaz quantificava cada gesto. Narrava que cada orgasmo que ele ouve é como um like em seu ego. Questionado pela curiosidade da moça sobre o amor, Mr. Toy disse com todas as letras e um leve sorriso malicioso: Isso não me paga as contas, querida. Meu anúncio e meu corpo pagam. Com isto, entregou o restante do dinheiro e mais uma gorjeta e o levou até a porta.
Em silêncio, caminhei pela rua
desviando das pedras e buracos
cansada do trabalho pesado,
do vazio em meio aos cacos
Pensava que talvez ali,
aprenderia sobre o amor
pobre Aurora, sempre sofre
caiu em um conto de trovador.

terça-feira, 30 de junho de 2015

O garoto dos sapatos de camurça velha;



Era comum que ao chegar aos sete anos toda criança fosse para a escola. Mas essa regra não se aplicava ao vilarejo onde nosso garoto morava, aliás, nenhuma lei, a não ser a dos próprios moradores, chegava ali. Era um tempo que a ostentação era simplesmente poder calçar alguma coisa para se deslocar até a escola e nosso garotinho, infelizmente, não tinha esse privilégio. Seu caderno eram folhas de papel de pão passadas com ferro de brasa, costurados cuidadosamente por sua mãe, uma a uma; seu lápis era o mesmo que seu irmão usou no ano anterior; sua mochila um saco de estopa com uma alça, também improvisados pela mãe e sua merenda, bem, não era todo dia que ele podia levar alguma coisa, mas de vez em quando uns bolinhos de milho salvavam suas lombrigas de o devorarem por inteiro.
Nosso garoto estava ansioso pelo seu primeiro dia de aula. Ele sonhava em ser locutor de rádio. Seu divertimento predileto era parar debaixo da janela da casa do sítio vizinho, de um senhorio com propriedades e cabeças de gado, para ouvir as rádios novelas que a esposa do homem ouvia no fim da tarde ou também, ajudar seu pai nas plantações de milho. Imaginava que entre aqueles milharais que tinham o dobro de sua altura, iria encontrar dragões e seres mitológicos como uma mula-sem-cabeça, os quais teria que enfrentar bravamente, mas isso é outra história.
O dia chegou! Sua mãe o despertou com o cantar do primeiro galo da madrugada, tudo ainda estava escuro, a caminhada era longa. Tomou um banho de água gelada para despertar, lavou as orelhas e os pés como se fosse encontrar a rainha da Inglaterra, abotoou sua camisa de segunda mão, vestiu suas curtas calças, bebeu um copo de leite recém tirado e prostrou-se de peito inflado na porta da casa,  transpirando ansiedade.
Seu pai e sua mãe, com os olhos marejados lhes entregaram um pequeno pacote, embrulhado em papel pardo, com um nó de sisal. Um simples pacote, mas um grande presente. O menino ficou estático e confuso, pois nunca havia recebido um presente, não embrulhado e tão esperado como aquele. Sim, seus sapatos. Todo filho ganhava um par de sapatos para ir para a escola. Eram os mesmos que seu irmão usou, que por sua vez, era o mesmo que seu primo antes mesmo dele saber seu próprio nome usou. Mas parece que nada importava. Aquele sapato velho de camurça encaixou em seu pé como se fosse um sapato de verniz, feito para ele. Ele se sentia homem e parecia esquecer que havia alguns quilômetros até chegar a cidade, e finalmente à escola. 

Na carroça, seus pés no ar balançavam de um lado para o outro e o sorriso encantava o pai que por alguns minutos esquecia a falta de dinheiro e de condição. Mesmo com suas poucas letras aprendidas, o pai observava o garoto e percebia que o real significado do amor estava realmente nos simples e pequenos gestos de afeto e incentivo que ele dava ao filho. Chegando na escola, o beijou na testa e observou o caminhando até o portão, onde acenou com os pés a felicidade de estar dando os seus primeiros passos. Os filhos são como pássaros, criamos para alçar voo, e quão belo é, ver que eles levam consigo, os pequenos sapatos de camurça velha e todo o amor por toda a vida.
 

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Dia de Cão;


Aurora não estava em um bom dia, dentre as muitas coisas que haviam acontecido naquela quarta-feira cinza, um banho de chuva não planejado, seu casaco velho, mas predileto, estava sujo de massa de tomate e seu celular estava sem bateria e além de tudo, iria em silêncio para casa. Ah, e como eu poderia esquecer?! Sua chefe, sim, aquele estereótipo de chefe que ninguém gosta havia lhe repassado algumas, diga-se de passagem todas, tarefas de seu colega que havia entrado de férias. Estava sendo um dia do cão, exceto pela hora que pode bater seu ponto e um leve, tímido e cansado sorriso soou um leve 'amém'. Aurora tentava em meio a chuva e uma poça e outra de água cantarolar alguma música para se distrair, mas parece que o 'cão-dia' havia tomado conta de seu ser.
Ela entrou no ônibus, desejou boa noite ao motorista e cobrador e se sentou do lado esquerdo dos bancos. O horário de pico já havia passado e ela pode sentar-se no lugar de sempre. Na janela de sempre. Parece que naquele pequeno quadrado de vidro, poderia passar horas filosofando e sendo ela mesma e foi nessa mesma parede transparente, que avisou um olhar fixo indo de encontro ao teu. Um rapaz nem alto e nem baixo, que chamou-lhe sua atenção.
O interesse mútuo dos dois olhares causou estranhamento e timidez e deu inicio a um jogo de olhares e feições. Ambos não sabiam disfarçar a vontade de se olhar. Assim seguiram pelo caminho todos e pelas curvas todas. Aurora sentiu no peito uma palpitação que deverás não sentia e se inflou seu ego e sua imaginação, com nomes, profissões e sonhos. O subconsciente de Aurora era muito fértil.
Não passou muito e o rapaz se levantou e deu sinal para que o ônibus parasse. Ambos se olharam mais uma vez entre os olhos como quem diz: Fica, vamos tomar um café! Mas parece que algo não lhes permitiu captar a mensagem. Ele desceu e olhou para a janela, abriu um largo sorriso para Aurora como quem dizia que foi um imenso prazer conhecê-la, e ela o correspondeu e se esqueceu de todas as coisas nem tão boas que havia passado durante o dia, havia ficado feliz pra cachorro.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Psicanalise

Aurora decidiu ir à um psicólogo depois de longos dias com crises de choro. O nome dele era Carlos. Não era velho e nem novo, mas tinha algumas boas rugas na testa e nos olhos. O médico era do tipo analista, o que já incomodava e muito nossa personagem que odiava passar por situações onde sabia estar sem analisada. Depois de algum tempo conversando, o médico deduziu que Aurora podia estar depressiva. Grande novidade, se você é um leitor das anedotas de nossa personagem já devia saber disso há tempos. O problema é que não era uma metáfora para dizer que Aurora estava muito melancólica. 
Aurora foi diagnosticada com um distúrbio afetivo patológico e foi encaminhada para um psiquiatra para ser medicada. O outro médico era ali no prédio mesmo, mas no térreo e por coincidência e diga-se de passagem, uma danada sorte, Aurora conseguiu um encaixe para a mesma manhã. O nome deste era Mario, e não façamos piadas sobre armários, porque a coisa estaria ficando pior. Mario era recém formado. Era bonito e tinha um sorriso meio amarelado. 
O laudo do médico foi uma depressão aguda e uma boa receita com alguns medicamentos para ajudar com a terapia. Aurora largou a bebida e o cigarro de vez e adotou para si um diário, não para escrever somente o que fez durante o dia, mas para dar metas para seus dias. Parece que se sua vida tinha um objetivo diário, ela passava a funcionar um pouco melhor. 
Aurora acordava todos os dias às oito da manhã e fazia seu café. Uma caneca, sem açúcar. Escova os dentes e tomava seu banho. Penteava os cabelos e se perfumava. Sentava na escravinha, tirava o diário da gaveta e escrevia alguma frase motivacional para o seu dia e o guardava. Tomava cinco compridos e ia trabalhar. A vida rotineira de Aurora agora minuciosamente registrada e analisada não havia mudado em muita coisa, talvez um pouco menos de ansiedade e algumas horas de sono à mais, mas a vida, parecia a mesma.  

quinta-feira, 26 de março de 2015

O amor está morto.

Aurora parou na sacada cinza de seu pequeno apartamento e pensou com seu botão solitário da camisa listrada que usava, se seria sua sina ficar sozinha pelo restos dos dias acompanhada de seus livros, seu uísque e cigarro. Se bem que fazendo contraponto ao próprio pensamento, com hábitos tão saudáveis, e leia-se uma grande ironia esta fala, ela não iria durar muito para viver sua solidão. 
É que Aurora assim como tantas outras, sofreu. De amor principalmente, mas também sofreu com injúrias, lamurias, torturas e assassinatos físicos, morais e psíquicos das coisas que aconteciam em sua volta. Aurora pensava e duvidava da própria fé e do próprio amor. 
E foi em uma das suas indas aquele café da praça que Aurora por um momento, um instante que foi observou uma criança brincando com seu avô. Ambos sorridentes, ambos felizes por estarem ali, vivos e vivendo aquele momento com intensidade. O inicio e o fim. E foi esta palavra que despertou Aurora a observar outros momentos recheados de intensidade ao redor. O cheiro do café, o gosto do uísque, as melodias que o vento uiva nos ouvidos no inverno, a sensação de poder caminhar. 
Quando leu Nietzsche e ouviu sua célebre frase "Deus está morto", Aurora riu para si mesma, e parafraseou o autor: "Não meu caro Nietzsche, o amor está morto", em lembrança a seu fracasso com relacionamentos e uma parca desistência para eles. Hoje, no movimento de perceber a sensibilidade da beleza de estar vivo sendo, dentro das possibilidades, saudável, Aurora escolheu sofrer as dores necessárias para suportar e esperar tudo que lhe fosse apresentado, de forma sensível e humilde. Aurora amadureceu e o mais importante, teve sua fé na vida, nas coisas, no seu próprio café restaurada. 

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Certas amarras são somente nossas. Um nó cego na vida de quem acredita que liberdade é ser e existir em função de outras coisas e pessoas. O bom mesmo da vida, é o amor próprio, fiel e carnal. Um pouco de egoísmo nunca fez mal a ninguém, muito menos ao nosso ego. 

domingo, 22 de fevereiro de 2015

toda hora que convém

toda hora é espontânea e aparece quando nos convém, pois a mesma é própria da alegria de ser e existir; mas é claro que algumas são menos esperadas e colocam entre acordes o que não podemos evitar de nos machucar. distâncias, parágrafos, pausas e virgulas, toda hora é hora de sentir. mas nem sempre é certa. mas, o que é certo? certo é se deixar pelas horas parcas, pequenas e intensas. 

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

cinco

Aurora em suas crises existenciais, regadas a cigarro e malte destilado, pensou uma ou duas em vezes em suicídio. Pensava em algumas maneiras, simples ou não tão, de fazer o ato com maestria e perspicuidade. É que na realidade, suas mortes sempre estiveram arquitetadas. Uma morte à tiro. Clássica. Muito sangue e um furo certeiro, no meio da cabeça. Outra forjada, de atropelamento, mas esta era um pouco mais complicada, precisava de um álibi. Quem sabe, morrer de tédio? Um daqueles domingos entendiantes observando vidas patéticas em um programa de auditório. Pensava até mesmo em se jogar de um prédio ou ponte, mas tinha medo de altura. Por fim, queria mesmo é que alguém a matasse de prazer. Quem sabe assim, reencontraria o sentido de sentir e pudesse pensar um pouco menos para viver as outras duas vidas que lhe restavam. 

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

veraneio

De mil abraços, ternos e de afagos
Escolhes o meu para te completar.
De mil olhares, tímidos e sinceros
Escolhes os meus para te encarar.
É que das mil pessoas que conheci
Você me tirou pra dançar.
É que a vida tem dessas mil coisas
Encontrar e desencontrar, amar e desamar.
É que de vinte e poucos verões,
um deles estava reservado para se apaixonar.
É que um amor desses é de passagem
Vem e quase nunca, chega pra ficar.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Aurora não estava muito satisfeita com sua vida; uma das poucas coisas que ainda gostava de fazer, sem dúvidas, era sentar no computador e escrever a coluna de um blog que falava sobre cinema e música. O blog não era importante e muito menos famoso e nem rendia nenhum dinheiro aos seus colaboradores. Era apenas um hobby
Certo dia, escrevendo sobre um álbum novo de uma de suas bandas prediletas, resolveu falar uma pequena anedota apaixonada sobre seu primeiro contato com a banda e com o amor. Escreveu um ou dois parágrafos sem rimas ricas, sem prosas e coisas muito elaboradas, narrando sobre uma noite qualquer. 
Não bastou muito tempo após ter de fato publicado o texto, reparou que os comentários e a recepção não da crítica do álbum, mas sim de sua pequena anedota foi gigantesca. Elogios pela bela poesia inflaram o ego de Aurora como deverás não acontecia e até um sorriso meio torto e enferrujado a Dona abriu em frente ao computador. Estava flutuando. Alguns dias depois, os acessos já ultrapassam os cem. E um comentário anônimo chamou sua atenção como nenhum outro:

- Aurora, é belo ver que se tornou essa mulher tão cheia de intensidade que só não é capaz de cativar a todos, mas de apaixonar também. A saudade de você é tão forte que chego a sentir teu perfume passeando pelo quarto mesmo depois de tantos anos sem o sentir de verdade. Com certeza de tudo isso, o que fica é saudade de ouvir essas músicas com você. Grande beijo. 

De imediato, Aurora lembrou de um nome e um rosto. Mas negou para si mesma que podia ser o mesmo gajo da história que narrou no blog. O tipo, era um rapaz que dizia para Aurora que sua sina seria apaixonar as pessoas. Aurora não era um tipo de mulher de muita beleza exterior, mas quem a conhecia era cativado pelo seu jeito doce e grosseiro de ser. Era uma mistura de tudo que há de bom com alguns palavrões. Talvez essa mistura fosse o segredo dessa intensidade.
Aurora ficou tão indignada em função de um comentário de tal magnitude estar no modo anônimo que em seguida, se dirigiu as configurações do blog e retirou a opção "comentar anonimamente", para nunca mais correr o risco de perder de vista uma saudade como essa.