Era comum que ao chegar aos sete
anos toda criança fosse para a escola. Mas essa regra não se aplicava ao vilarejo
onde nosso garoto morava, aliás, nenhuma lei, a não ser a dos próprios
moradores, chegava ali. Era um tempo que a ostentação era simplesmente poder
calçar alguma coisa para se deslocar até a escola e nosso garotinho,
infelizmente, não tinha esse privilégio. Seu caderno eram folhas de papel de
pão passadas com ferro de brasa, costurados cuidadosamente por sua mãe, uma a
uma; seu lápis era o mesmo que seu irmão usou no ano anterior; sua mochila um
saco de estopa com uma alça, também improvisados pela mãe e sua merenda, bem,
não era todo dia que ele podia levar alguma coisa, mas de vez em quando uns
bolinhos de milho salvavam suas lombrigas de o devorarem por inteiro.
Nosso garoto estava ansioso pelo
seu primeiro dia de aula. Ele sonhava em ser locutor de rádio. Seu divertimento
predileto era parar debaixo da janela da casa do sítio vizinho, de um senhorio
com propriedades e cabeças de gado, para ouvir as rádios novelas que a esposa
do homem ouvia no fim da tarde ou também, ajudar seu pai nas plantações de
milho. Imaginava que entre aqueles milharais que tinham o dobro de sua altura,
iria encontrar dragões e seres mitológicos como uma mula-sem-cabeça, os quais teria
que enfrentar bravamente, mas isso é outra história.
O dia chegou! Sua mãe o despertou
com o cantar do primeiro galo da madrugada, tudo ainda estava escuro, a
caminhada era longa. Tomou um banho de água gelada para despertar, lavou as
orelhas e os pés como se fosse encontrar a rainha da Inglaterra, abotoou sua camisa
de segunda mão, vestiu suas curtas calças, bebeu um copo de leite recém tirado
e prostrou-se de peito inflado na porta da casa, transpirando ansiedade.
Seu pai e sua mãe, com os olhos
marejados lhes entregaram um pequeno pacote, embrulhado em papel pardo, com um
nó de sisal. Um simples pacote, mas um grande presente. O menino ficou estático
e confuso, pois nunca havia recebido um presente, não embrulhado e tão esperado
como aquele. Sim, seus sapatos. Todo filho ganhava um par de sapatos para ir
para a escola. Eram os mesmos que seu irmão usou, que por sua vez, era o mesmo
que seu primo antes mesmo dele saber seu próprio nome usou. Mas parece que nada
importava. Aquele sapato velho de camurça encaixou em seu pé como se fosse um
sapato de verniz, feito para ele. Ele se sentia homem e parecia esquecer que
havia alguns quilômetros até chegar a cidade, e finalmente à escola.
Na carroça, seus pés no ar balançavam
de um lado para o outro e o sorriso encantava o pai que por alguns minutos
esquecia a falta de dinheiro e de condição. Mesmo com suas poucas letras
aprendidas, o pai observava o garoto e percebia que o real significado do amor
estava realmente nos simples e pequenos gestos de afeto e incentivo que ele
dava ao filho. Chegando na escola, o beijou na testa e observou o caminhando
até o portão, onde acenou com os pés a felicidade de estar dando os seus
primeiros passos. Os filhos são como pássaros, criamos para alçar voo, e quão
belo é, ver que eles levam consigo, os pequenos sapatos de camurça velha e todo
o amor por toda a vida.
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