segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Aurora estava decidida a nunca mais compartilhar uma mesa com um estranho, nem para um café e muito menos para um sorvete. Mas esta certeza foi colocada em cheque quando um rapaz não tão mais velho e nem mais novo se aproximou e a perguntou se podia fazer companhia. 
- O café está cheio, se importa de me deixar sentar aqui? 
- Claro que não, a vontade. 
Na realidade, em sua cabeça soava algo como um pequeno xingamento por voltar atrás de sua tão certa decisão. O rapaz tinha um sorriso simpático, qual seria o problema. Sua desconfiança era real, além de muito simpático e bonito, o gajo tinha um certo sotaque que não era de um brasileiro e muito menos de alguém que era nascido no interior de SP. Um sotaque meio germânico, italiano e mineiro. Antonio nasceu no Brasil, passou a infância na Alemanha e voltou ao Brasil tem alguns bons anos. O papo foi tão agradável que rendeu mais alguns dois ou três cafés e isto que ainda eram apenas quatro da tarde. 
Aurora e Antônio falaram de tudo. De livros, de música, de sonhos, de porres e algumas decepções. Tiveram boas conclusões sobre as coisas e principalmente sobre a vida. E principalmente de café, de afeto e requentado. E concluíram: Essas últimas horas nunca deveriam ter passado. 

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Parto-me em pena.

Aurora tinha sérios problemas com relacionamentos, seja os que teve ou os dos outros e não era por mal. Aurora fazia o tipo de mulher que era mais menina, mais levada. Aurora havia abandonado seus longos cabelos loiros e lisos. Deixou as químicas de lado. Aurora trazia consigo os traços da maturidade, e diga-se de passagem, digo que infelizmente o deixou. Mas voltando a falar de relacionamentos, nossa personagem era do tipo que se apaixonava fácil e claro que tenho que dizer que isto é um grande defeito. Eu digo defeito, porque como se diz no velho ditado, quanto mais alto o sonho, mais alta a queda também, e foi de tombo em tombo, que ela aprendeu a não ser tão intensa. 

É uma pena. 

A intensidade com que Aurora fazia com que o ar entrasse em seus pulmões ou que seu uísque descesse pela garganta não era fácil de ver em uma pessoa. Ela era do tipo de se entregar de corpo e alma à tudo. Era lindo. Mas amadureceu, e como todo processo biológico/natural, teve seus parcos momentos de reflexão e deixou de ser tão intensa, passou a ser mais racional e é claro que este parto ocorreu quando Aurora pôs fim ao seu primeiro relacionamento, que durou em média quatro anos. 

Aurora queimou as fotos, as cartas. Doou as pelúcias à um abrigo de crianças e fez questão de quebrar uma garrafa de vinho que estava na geladeira. Aurora teve sérios problemas com este relacionamento. Ela não queria terminar, amava o rapaz, mas sabia que levar o amor em frente lhe daria muita dor de cabeça. É que o amadurecimento biológico chamou mais alto. Aurora tentou disfarçar em rostos, caras e bocas, mas sofreu intensamente a dor do parto-me. 

Mas agora cresceu. 

domingo, 14 de dezembro de 2014

Hospedeiro indesejado.

Aurora já não suportava a vida na capital. Os carros, as pessoas, os muros cinzas. Tinha nojo de abrir sua persiana e dar de cara com outra persiana. A vida não era mais amarela. Ela sempre quis se mudar para o interior pois, sua vida toda foi embalada por histórias de quem fugiu da vida pacata e tranquila para tentar o sucesso na capital e disso, Aurora não entendia bulhufas. 
Aurora tinha em mente sua casa no interior. Ela teria uma janela bem grande e flores na fachada. Seria de tijolos e de paredes amarelas por fora. Por dentro, teria dois ou três cômodos que lhes seriam suficiente para dormir, guardar suas tranqueiras, vulgo seus livros, e hospedar algum amigo que quisesse também fugir dos devaneios da cidade. Sua cozinha seria grande e teria um forno à lenha. Aurora ria imaginando muitas crianças pela casa e pensava sobre maternidade, daí lembrava que seu salário mal a sustenta e que a ideia de ter filhos, pelo menos por enquanto é descartada. 
Nesses momentos de sonhos, a menina se delícia com uma realidade tão desejada e tão distante. É que enquanto Aurora reflete se abre ou não a persiana de seu quarto, aquela que dá de frente para outra janela, a utopia de ser absolutamente e inteiramente feliz a consome. É que nessas reflexões que percebe o quão o nosso ser é frágil, o quanto nossos dias são curtos, o quanto somos solitários. 

terça-feira, 9 de dezembro de 2014



O sinal toca, a vida toca.
Caí o silêncio e a rotina,
Da professora e da aluna.
Ana Lua? Cada um na tua.
A porta fecha, o quadro fica branco
Hora de lanchar, acaba-se a missa e começa a rezar.
Uma hora de silêncio, cinco horas de vertigem
É bom o fim.
Fim da recuperação e da alfabetização.
Cicatrização.
Cuidado com a vala e o lixo.

Esperamos a emancipação.

Diálogo de Pan

Peter disse que é importante se soltar...
das amarras, das armadas, das algemas, das gaiolas.
É que o abraço que ele me deu, me escondeu...
das quebradas, das indiadas, das maldades, da agonia.
É que nós concluímos: vamos voar por aí, sonhar por aí.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Primavera, sorvete e prosa.

Aurora mesmo sabendo dos problemas causados pelo seu vício em cigarro não o conseguia deixar. É que por exemplo, nesses dias quentes e de céu azul ela não consegue evitar ser consumida pelo tédio e acaba tragando suas cartelas mais do deveria e menos do que gostaria. Aurora já foi, como quem sabe, um doce de mulher. Não havia dias de céu azul que não despertassem um sorriso no seu rosto e uma vontade louca de fazer tudo ao mesmo tempo. Esses dias normalmente terminavam em sorvete. Havia a algumas quadras de seu pequeno apartamento uma sorveteria tocada por um senhor que já carregava seus bons anos nos ombros, e ali se saciava de duas bolas de um fino sorvete artesanal. Uma de creme e outra de brigadeiro.
Em um desses certos fins de tarde ensolarados e de céu azul, sentada na frente da sorveteria Aurora teve a desgraça, digo, a oportunidade de conhecer Pedro. Ele era um tipo atlético meio esguio, andava com postura e parecia não olhar muito para os lados, mas tão bonito que desviava os olhares de todas as moças e de um rapaz naquele local. A sorveteria estava cheia e não havia muitas cadeiras sobrando, sendo que uma delas estava na mesa de Aurora. Esse tipo percorreu com um olhar rápido, varado pelas lentes de seus óculos clássicos e quadrados um lugar vago, e em tempo antes que Aurora se fizesse de sonsa, perguntou se ela se importaria de dividir a mesa com ele.
Este simples gesto iniciou uma conversa um pouco monossilábica entre os dois. Alguns nãos e sins. Alguns sorrisos tímidos. Algumas prosas aleatórias e comentários sem fundamento, tais como: ‘linda tarde, não?’
Aurora adorava fazer amizades e conversar com estranhos, mas por algum motivo, e eu gosto de pensar que era seu anjo a protegendo, não conseguiu afinar um papo muito eclético com Pedro. E se sentiu mal por isso.
O rapaz terminou seu sorvete, flocos e creme, agradeceu a bela companhia de Aurora, mesmo que silenciosa, deu um beijo em seu rosto e com um olhar sereno o disse que iria torcer para que houvesse mais uma vez uma cadeira vaga do seu lado, seguiu em frente, desacorrentou sua bicicleta, abano um adeus e dobrou a esquina, desaparecendo do raio de visão de Aurora.
Aurora instantaneamente abriu a bolsa e sacou um cigarro da carteira e meio tremula o acendeu e não desgrudou o olhar da esquina. Aurora conheceu Pedro em questão de algumas poucas horas, diga-se de passagem, menos que duas. O gajo gostava de tardes ensolaradas, de sorvete de creme, de andar de bicicleta, de ler com frequência e lia Fernando Pessoa, era bem bonito e fazia um tipo de homem que toda garota suspira. Aurora, acendendo seu segundo cigarro e enchendo seus pulmões de fumaça se corrói de raiva de não ter arrumado uma maneira de manter contato com Pedro.
É que desde o episódio, Aurora não foi mais simpática e não deixou que ninguém partilhasse sua mesa. E se ele fosse um homem pra vida inteira? Acendeu outro cigarro e abriu seu livro de cabeceira e leu a frase: ‘o amor é ridículo’.