segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Primavera, sorvete e prosa.

Aurora mesmo sabendo dos problemas causados pelo seu vício em cigarro não o conseguia deixar. É que por exemplo, nesses dias quentes e de céu azul ela não consegue evitar ser consumida pelo tédio e acaba tragando suas cartelas mais do deveria e menos do que gostaria. Aurora já foi, como quem sabe, um doce de mulher. Não havia dias de céu azul que não despertassem um sorriso no seu rosto e uma vontade louca de fazer tudo ao mesmo tempo. Esses dias normalmente terminavam em sorvete. Havia a algumas quadras de seu pequeno apartamento uma sorveteria tocada por um senhor que já carregava seus bons anos nos ombros, e ali se saciava de duas bolas de um fino sorvete artesanal. Uma de creme e outra de brigadeiro.
Em um desses certos fins de tarde ensolarados e de céu azul, sentada na frente da sorveteria Aurora teve a desgraça, digo, a oportunidade de conhecer Pedro. Ele era um tipo atlético meio esguio, andava com postura e parecia não olhar muito para os lados, mas tão bonito que desviava os olhares de todas as moças e de um rapaz naquele local. A sorveteria estava cheia e não havia muitas cadeiras sobrando, sendo que uma delas estava na mesa de Aurora. Esse tipo percorreu com um olhar rápido, varado pelas lentes de seus óculos clássicos e quadrados um lugar vago, e em tempo antes que Aurora se fizesse de sonsa, perguntou se ela se importaria de dividir a mesa com ele.
Este simples gesto iniciou uma conversa um pouco monossilábica entre os dois. Alguns nãos e sins. Alguns sorrisos tímidos. Algumas prosas aleatórias e comentários sem fundamento, tais como: ‘linda tarde, não?’
Aurora adorava fazer amizades e conversar com estranhos, mas por algum motivo, e eu gosto de pensar que era seu anjo a protegendo, não conseguiu afinar um papo muito eclético com Pedro. E se sentiu mal por isso.
O rapaz terminou seu sorvete, flocos e creme, agradeceu a bela companhia de Aurora, mesmo que silenciosa, deu um beijo em seu rosto e com um olhar sereno o disse que iria torcer para que houvesse mais uma vez uma cadeira vaga do seu lado, seguiu em frente, desacorrentou sua bicicleta, abano um adeus e dobrou a esquina, desaparecendo do raio de visão de Aurora.
Aurora instantaneamente abriu a bolsa e sacou um cigarro da carteira e meio tremula o acendeu e não desgrudou o olhar da esquina. Aurora conheceu Pedro em questão de algumas poucas horas, diga-se de passagem, menos que duas. O gajo gostava de tardes ensolaradas, de sorvete de creme, de andar de bicicleta, de ler com frequência e lia Fernando Pessoa, era bem bonito e fazia um tipo de homem que toda garota suspira. Aurora, acendendo seu segundo cigarro e enchendo seus pulmões de fumaça se corrói de raiva de não ter arrumado uma maneira de manter contato com Pedro.
É que desde o episódio, Aurora não foi mais simpática e não deixou que ninguém partilhasse sua mesa. E se ele fosse um homem pra vida inteira? Acendeu outro cigarro e abriu seu livro de cabeceira e leu a frase: ‘o amor é ridículo’.


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