sábado, 27 de setembro de 2014

Café Passado.

Foto : Francisco Abelha (Chico Abelha)*

Eu gosto de pensar comigo e meus botões, que vou dormir esta noite e ao acordar, vou até a cozinha e no mesmo coador de pano surrado e marrom pelo tempo, fazer um café forte e bem doce. Vou pegar minha caneca predileta, a vermelha e mais larga, colocar 2/5 de café, quente, forte e doce. Ir até a geladeira e ao tocar na porta tomar aquele choque, pois estaria descalça. Colocar leite gelado até a borda e deixar ele no ponto: um pingado. Nem quente e nem frio, no ponto. Ir até o armário, pegar duas fatias de pão de trigo e colocar margarina, esquentá-los na chapa e lambendo os dedos pegar o prato de porcelana. Levar até a mesa, o prato com os pães e o café morno, me sentar naquele lugar que dá para a janela e enxergar do outro, o muro de casa. Saborear meu café da manhã, com gosto de casa, de saudade. 
Depois da cerimônia, tomar um banho rápido, vestir um jeans surrado e até mesmo um pouco sujo e repensar toda a rotina que deverá se cumprir naquele dia. Ler, escrever e e pensar na volta, na casa e na cama, nos botões da camisa e nas horas que correm apressadas no relógio. 
É pena que toda a rotina é interrompida com a dor e a alegria de estar viva, de ser intensa. É pena que o café as vezes está fraco demais, ou frio demais. Ás vezes eu preciso trocar por chá, ou por uísque. As vezes eu preciso me preencher de fumaça para compreender que a falta deve ser o reencontro com o ser. Eu gosto de pensar comigo e com meus botões, que vou dormir esta noite e ao acordar, vou até a cozinha preparar meu café e depois, irei ao banho, as leituras e as coisas rotineiras de uma vida comum de uma pessoa comum. 
Hoje por incrível que pareça, foi diferente. Me perdi, tomei um banho antes do café e acho que que nem o tomei. Hoje, sentei na porta e fiquei com os pés para fora. Chovia muito e eles ficaram ali apreciando a chuva. Percebi que podia ser diferente e que na realidade era sábado. Este dia é incomumente diferente. As coisas trocam de horários e eu posso pensar na cerveja e talvez, e até mesmo em tomar um banho de chuva. Pensei comigo e com os botões que hoje, sábado, eu iria fazer meu café, no coador de pano, mas que também eu podia tirar uma das colheres de açúcar do café. Deixá-lo um pouco mais amargo, e quem sabe frio. Faz bem senti-lo frio. Faz bem um café e um parto, ou será que não o fiz? Sei que acordei. Eram duas da tarde da sexta-feira, eu perdi a hora e o dia, o café se foi e eu sentei na cadeira, sem fome. Meus botões avisaram que eu precisava de um banho longo e quente, que eu precisava de um dia desses, de passagem. 



*Chico Abelha é um pesquisador que aprendeu uma maneira de fazer as coisas bem feitas, com muito amor e prazer, na instituição "Faculdade da Vida". É um pesquisador do povo, formado pelo povo. Se dedica a fotografar e narrar, na simplicidade e humildade, aqueles que são invisíveis por muitos na cidade de São José dos Campos e na região do Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e por ali. Uma pessoa das quais eu tenho muita alegria em ter conhecido e ouvido nesse último ano. Fica o perfil dele no Facebook pra quem quiser acompanhar o trabalho - Chico Abelha (perfil)