terça-feira, 3 de abril de 2012


Livro azul da Tarde
          De tardezinha, eu sentia o cheiro do café que se espalhava pela casa. O sol brilhava através da persiana  que teimava em não me deixar olhar para ele. Ele ficava na outra janela, oposta a da cozinha. Ele e seu livro, por horas e horas, não se via nem o piscar dos seus olhos azuis atentos, e diga-se de passagem que olhos, nunca mais vi igual. Ao mesmo tempo que o rosto era sério como de um velho rabugento, ficava sereno e de vez em quando, ensaiava um sorriso, e eu suspirava a medida que seus lábios se curvavam, mas era ensaio, logo voltava atento. Dia desses pegou minha vista de cruzamento com a sua, vi uma borboleta amarela que não existia, e segui olhando para ela, acho que na realidade, elas estavam borboletando dentro de mim. Desde então, ele ficava desatento, afim de ver nossos olhares se cruzarem de novo. Outra vez, todo ajeitado para o passeio de domingo com os pais, ficara irritado, por não levar consigo seus livros e uma outra vez, que me coloquei atrás da persiana para espiar aqueles olhos, vi que em lugar de um escrito, ele escrevia. Sim, um caderno. Que diabos, pensei minuciosamente, ele escreveria. Vi ele espiando a janela que supostamente estaria vazia, parecia até procurar meus olhos, ou pelo menos eu pensava isso, queria isso. Por dias ficou na janela com a caneta procurando algo, e de repente, sumiu. Eu chegara a curvar meu corpo para fora e até arriscava aparecer no portão para ver se ele estava pendurado em uma ou outra janela de outra menina, mas nada. Não foi nada, mas me senti estranha. A campainha tocou, e como de costume me dirigi a porta, de cara fechada, pensativa, como uma velha rabugenta, como ele com seus livros. Me deparei com um nada, mas com um envolpe no chão, que tinha minhas iniciais no verso. Um sentimento de estranhamento me envolveu, e eu o tomei, e o abri, e vi uma caligrafia até mesmo complicada de se entender, que traduzia o seguinte verso: Demorei mais de três semanas para conseguir escrever que teus olhos são os mais encantadores que já vi. Me abriu um misto de sorriso e de, de que mesmo? Bem, os meus castanhos não tinham nada de mais, não chamavam atenção, porque azuis se interessariam.  E por dias aparecerem bilhetes na porta, com os mais variados recadinhos sobre meus olhos. Chegava a ser psicótico, se bem que, na época eu não tinha ideia do que isso podia ser. O garoto havia sumido da janela, já não o via tinha tempos, mas os bilhetes sempre estavam lá, não na mesma hora, por dias espionei esperando ele aparecer, mas o danado parecia perceber o exato momento que eu piscaria pra coloca-los lá. Eram olhares de papel. Um belo dia, daqueles que a gente não espera, olhei de relance, e voltei para confirmar. Lá estava ele, dessa vez com um jornal de páginas amarelas, uma camisa branca, o cabelo penteado de lado, e tão lindo como os olhos, foi a primeira vez que olhei para ele mesmo, e parece que essa sensação foi recíproca. Abrimos um sorriso, como eu nunca tinha visto, e que sorriso. Um sinal discreto com a cabeça indicará um pedido para sairmos de nossas casas. Nas pontas dos pés saímos, sem trocar uma palavra, apenas olhares indiretos, e dele junto, um caderninho. Chegamos a uma praça, nos sentamos sobre a sombra de uma grande arvore, que já não tinha muitas folhas, no chão mesmo, onde estariam todas as folhas. O sol caia e a tarde alaranjada apareceu junto de um olá, o suficiente para nos calar por uns minutos, respondi tímida um oi e mais silêncio. Ele era diferente, eu sabia. Ele tirou o caderninho do bolso, e pela primeira vez eu ouvira sua voz claramente me pedindo autorização para me ler uma coisa. É claro que não o contrariei, pelo contrário, incentivei, e disse que estava ansiosa para ouvi-lo, depois de um sorriso reprimido, despencou a ler. Todos os bilhetes que ele havia me escrito, faziam parte de páginas e páginas de uma carta que parecia não ter fim e então entendi, que a demora escrevendo aquelas 3 semanas, não eram por causa de um único bilhetinho, era uma declaração que segundo ele foi fragmentada para me conquistar de pouquinho em pouquinho e então, ele tirou de uma das páginas do caderninho um pedaço de papel de pão que tinha escrito algo como , dona dos meus olhos azuis, esse castanhos fazem parte de mim e não se difundem, se fundem e se partem, parte comigo? Um pedido que fez transbordar nos meus, uma felicidade imensa em forma de água, e daquele dia em diante, até o dia em que ficou comigo, escreveu pedacinhos do que estava nele, para o resto das nossas vidas. De vez em quando, olho pela mesma janela, e espio pela persiana, para ver se o convite para partimos de novo está na minha porta, e espero ansiosa, o dia de rever aqueles olhos que me amaram mais que qualquer toque, palavra ou gesto, os olhos que escreveram e leram o mais belo amor. 

03 de abril de 2012, Feliz aniversário Mãe.


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